Silenciosa e surpreendente e, talvez, pela primeira vez desde a chegada dos portugueses, a véspera de São João de 2020 não teve fogueiras ou fogos para os sergipanos. O que para a maioria das pessoas foi apenas uma triste novidade, para Faustino que rodou de carro por Aracaju e pela zona rural de São Cristóvão, sem ver uma fogueira sequer, foi arrasador. Impactado, porque no fundo, apesar da pandemia, ele nutria a esperança de que “havia linguiça por debaixo do feijão” (como diria Stanislaw Ponte Preta ou Lalau, inspirador deste capítulo), e assim, ver o povo feliz comemorando sua festa mais tradicional.
“Numa melancolia de pinguim no Piauí”, as recordações vivas e doloridas de outro São João invadiram sua cabeça branca, porque aos 7 anos de idade, o pequeno Faustino também não viu a festa junina devido a uma catapora tratada pelo Dr. Chagas, o melhor pediatra da década de 1960.
Àquela altura, com limitadas vacinações, os médicos faziam diagnósticos clínicos sem exames de laboratórios. Então, competentes pediatras viam as doenças infantis atuarem sobre as crianças de forma benigna, como aceleradores do desenvolvimento. Segundo essa visão, tais doenças promovem rápidos avanços da individualidade (reconhecimento do EU) em conflito com a hereditariedade (matéria herdada) no corpo das crianças. Em outras palavras, a doença infantil é a crise da perda da importância do passado sobre o futuro, porque “ninguém se conforma de já ter sido”. Com Faustino, obviamente, não foi diferente, até porque ganhou um novo tom de voz, bem mais encarnado, uma vez curado dessa marcante catapora junina.
Com base nessa imagem, façamos uma metáfora com o desenvolvimento do universo digital neste momento. A pandemia do coronavírus e seu isolamento social esfriou o mundo real e inflamou o digital. ”Só levanto o olho da máquina de escrever para botar colírio”, digo do celular, em uma imersão compulsória nas redes digitais para garantir o home office ou até os, agora essenciais, serviços delivery. Não resta dúvida de que, com esses novos hábitos, o mundo não mais será o mesmo: será bem mais digital, automatizado e rastreado.
“Antes só que muito acompanhado”. A experiência do afastamento social criará um ‘novo normal’, no qual o digital terá uma participação maior e irreversível na vida de todos. A humanidade vivencia uma transformação digital forçada que demoraria muito tempo em um transcurso normal. Parafraseando JK, avançamos 50 anos em 5 (meses). Temos a sensação que fomos invadidos pelo futuro, sem perdão.
No ambiente da Educação “ficou a impressão que o meu anjo da guarda está gozando licença-prêmio” – refletiu Faustino. Nele ocorre uma verdadeira revolução, quando todos viraram alunos, sejam professores, diretores, pedagogos ou alunos mesmos. Mas, isso é muito saudável, pois o que faz um jovem ter gosto pelo estudo é ver o adulto, e o próprio professor estudando e desenvolvendo novas habilidades. Educação é vida. Educação é transformação. Contudo, a desigualdade cresceu e, portanto, a nível de política pública, para mais equidade entre alunos de variadas classes sociais e econômicas, faz-se urgente assegurar acesso à internet para todos, em especial nos sítios de conteúdos educacionais.
“Quem não tem quiabo não oferece caruru” – Considerando a internet como serviço essencial, necessitamos superar as limitações de acesso que atingem grande parcela da população. Acesso gratuito aos sítios .gov é o que propõe Projeto de Lei do Deputado Federal Laércio Oliveira (PP-SE): ‘Afinal, se os endereços .gov da internet são públicos, tal como as ruas e as repartições, logo todos devem ter acesso livre e gratuito’ – defende o atuante parlamentar.
Prever o futuro próximo, segundo Faustino, está ficando “mais monótono que itinerário de elevador”. Como quem foi sequestrado pelo futuro, ele projeta com pouco risco de errar: Muitas empresas praticarão home office permanentemente. Os negócios digitais entrarão na rotina das pessoas com intensidade. A mobilidade será repensada, as aglomerações serão evitadas, isolamento será sinônimo de qualidade de vida e status. O turismo será revisado e os eventos culturais também. Uma nova cultura nascerá global, bem mais digital. As pessoas viajarão mais de carro e buscarão morar melhor. Vamos nos cuidar mais e entender que “uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão”.
“Não sei se é verdade, nunca fui chinês” – Para Faustino, a atual pandemia age sobre o reino digital como uma doença infantil aceleradora, dessas que traz o futuro para o colo. Dá um salto! Por coincidência ou não, “cruzam cabra com periscópio pra ver se conseguem um bode expiatório”, já que esse coronavírus, lançado no mesmo local do 5G, em Wuhan, na China, fará a criatura digital sair brevemente da infância para ingressar em conturbada adolescência. “Mas isto ainda não está na hora de contar”. Se prepare!
Artigo de Paulo do Eirado (@paulodoeirado)
Superintendente do Sebrae/SE